18/05/2009

QUE DESENVOLVIMENTO RURAL (DR) PARA ANGOLA?

Francisco Eduardo e Carlos Figueiredo, Maio 2009


INTRODUÇÃO

A apresentação deste tema no dia 14 de Maio, 10 dias após a realização da conferência sobre o Desenvolvimento Rural, visa essencialmente continuar a animar o debate sobre o assunto, e não tem a pretensão de ser uma apresentação puramente teórica, tão-pouco académica.

A nossa apresentação terá três partes:

uma introdutória;
  • uma parte sobre o desenvolvimento rural em Angola;

  • uma parte final, mais conclusiva.

Clarificando o que entendemos por desenvolvimento, comecemos por explorar este conceito de desenvolvimento, sobre o qual todos falamos (atribuindo-lhe geralmente sentidos muito diferentes).

Schumaker, no seu livro “O Pequeno é Belo”, defendia, já na década de 70, que desenvolvimento é algo que assenta em três pilares, (1) conhecimento, (2) organização e (3) disciplina. Defendia também que daqueles três pilares juntos resulta a capacidade para produzir infra-estruturas e equipamentos complexos. É importante clarificar que estas infra-estruturas e equipamentos complexos são como que um subproduto do desenvolvimento; subproduto que por sua vez contribui para o processo de desenvolvimento e assim sucessivamente (criando o “ciclo virtuoso”).

Ou seja, sem aqueles três pilares, que estão, todos eles, na sociedade e nos seus indivíduos, os equipamentos e infra-estruturas mais robustos, esfumam-se rapidamente. Assim, investir em equipamentos e edifícios, sem o devido investimento no real desenvolvimento que os pode sustentar (conhecimento, organização e disciplina), pode resultar em algo equivalente a despejar água na areia.

Delimitando o rural

O conceito de rural está frequentemente associado às zonas onde a (1) actividade económica principal está no sector primário (agricultura, pescas, pecuária, etc), onde a (2) densidade populacional é baixa, onde a (3) oferta de serviços é limitado (energia eléctrica, água, comunicações, etc), e onde as (4) relações sociais são normalmente marcadas por uma maior coesão com um papel mais marcado para o grupo (e não para o indivíduo). Isto por contraposição às zonas urbanas onde as actividades económicas principais se desenvolvem no (1) sector secundário e terciário (industria e serviços), as (2) densidades populacionais são elevadas, (3) oferta de serviços permite um acesso praticamente universal e onde (4) o individuo beneficia de maior autonomia (sofrendo menos pressões do grupo restrito a que pertence).

Um terceiro conceito, importante para os países em vias de desenvolvimento, mas que não desenvolveremos aqui, é o de zonas peri-urbanas. As zonas crescentes de elevada densidade populacional de pessoas frequentemente envolvidas em actividades terciárias (serviços informais), mas com um baixíssimo nível de acesso a serviços. Tais zonas parecem ser o subproduto natural de políticas de desenvolvimento que não valorizam o rural, ou quando o fazem, esquecem-se que são as pessoas o fundamental do desenvolvimento.

No conceito de rural acima apresentado, fica claro que as zonas rurais dos países industrializados possuem traços de urbanização que zonas peri-urbanas (e mesmo as urbanas) dos países em vias de desenvolvimento (chamado de “subdesenvolvidos” por alguns) almejam por ter. Um outro aspecto comum nos países em vias de desenvolvimento é a existência de “bolsas” urbanas dentro de zonas eminentemente rurais e “bolsas” rurais dentro de zonas essencialmente urbanas.

O DESENVOLVIMENTO RURAL EM ANGOLA


Já no tempo colonial, o Engº Herman Possinger[1] dizia aos colonos algo como “será muito mais económico investirem no desenvolvimento dessas pessoas (do meio rural) do que terem mais tarde que investir em meios para lidar com a sua revolta…”. Este argumento que parece meio cínico (pois coloca a tónica não no que é mais ético e justo, mas sim no que é mais económico), parece ser dolorosamente actual.

Em documentos recentes do Ministério da Agricultura, reconhece-se que a agricultura familiar é responsável por valores entre os 95 aos 98% da produção (cereais, leguminosas e tubérculos) agrícola, contra valores entre os 2% aos 5% por parte dos fazendeiros. Infelizmente, não temos dados sobre o valor investido pelo Estado nestes dois tipos de agricultura; porém, olhando para os dois tipos de agricultura podemos sem grande margem de erro inferir que os fazendeiros beneficiam de uma fatia do investimento público desproporcionadamente alta para o contributo real que dão à produção agícola nacional.

A que tipo de serviços (de ensino, saúde, bancários, comunicações, etc) têm acesso as famílias camponesas? Qual o volume global de crédito que é dedicado às famílias camponesas? Qual o investimento feito na investigação e extensão que se concentre nos problemas dos pequenos camponeses? A resposta a estas perguntas poderá ajudar a clarificar de que modelo de desenvolvimento rural se está a aplicar na prática.

Ao nível da organização, como pilar do desenvolvimento, devemos olhar também para as relações sociais no meio rural. Estimular o associativismo na zona rural e os mecanismos que permitam aos camponeses defender os seus interesses nos momentos em que se negoceiam as prioridades, é um aspecto importante do desenvolvimento rural. Em que medida muitos destes mecanismos associativos[2], funcionais nas nossas zonas rurais, não funcionam e perpetuam uma lógica excessivamente hierarquizada e “clientelista” que é contraditória com os princípios do cooperativismo?

O desenvolvimento rural é Multidimensional. Para ser bem sucedido necessita de estratégias de uma base larga. Desenvolvimento rural significa, na prática, a promoção de aspectos económicos, ecológicos, sócio-culturais e politico institucionais em igual medida. O DR deve ajudar a melhorar a segurança alimentar, promover a educação e saúde; deve criar rendimentos e oportunidades de emprego. O objectivo final é habilitar as pessoas nas regiões rurais a aumentarem a sua possibilidade de escolha, delineando os seus próprios métodos e soluções sustentáveis. A criação de uma Secretaria de Estado para o Desenvolvimento Rural com esta perspectiva integradora das várias dimensões do desenvolvimento rural, é algo promissor. Mas será necessário enfrentar influentes correntes de pensamento que entendem desenvolvimento como introdução de equipamentos e construção de infra-estruturas.

CONCLUSÃO


Assim, e utilizando o modelo proposto por Schumacker, que referimos no início, defedemos que o desenvolvimento rural angolano deve ser promovido pelo investimento nestes três eixos.

Conhecimento, através de


· Bom ensino rural. Acesso universal a ensino de qualidade, com conteúdos ligados com a vida das pessoas, e dando possibilidade de progressão académica (escolas técnicas e vários níveis de ensino) que ofereça habilidades para enfrentar os desafios das zonas rurais.
· Pesquisa e extensão que dê apoio à maioria – as famílias camponesas
· Pesquisa que permita conhecer a realidade - estatísticas agrícolas, estudos vários.


Organização, essencialmente numa lógica de apoio à auto-organização:


· Associativismo e cooperativismo real – assente em pressupostos de transparência relativamente aos estatutos, procedimentos e sem coerção exercida por qualquer entidade local ou de nível superior.
· Serviços especializados para tratar de várias funções como crédito, cadastro, comercialização, processamento. Muitos destes serviços podem e devem ser fornecidos por privados ou cooperativas mas o Estado pode fomentar esta auto-organização do meio rural, através do desenvolvimento de serviços.
· Colocar em funcionamento os mecanismos de participação e controlo político que permitam ir criando as bases para um real controlo social.



Disciplina, numa lógica de respeito pela justiça e pela igualdade de direitos:


· Cumprimento da lei já seria um bom começo... especialmente importante no que toca ao acesso à terra e às leis que regulam a protecção ao ambiente e ao uso dos recursos públicos (OGE).
· Travar a tendência para que a “lei do mais forte” se sobreponha ao direito, seja ele o tradicional seja o positivo.

Aumentar a consciência das vantagens de seguir este modelo de desenvolvimento, e os riscos e custos dos modelos centrados na modernização acelerada e no foco nas infra-estruturas e tecnologias importadas, é uma tarefa que necessita do empenho de todos nós.











[1] O líder da “Extensão Rural de Angola”, um projecto que teve um enorme impacto, em termos de desenvolvimento rural, no Planalto Central Angolano
[2] Associações e “cooperativas”

2 comentários:

LiZaNdRa PrAiA disse...

gostei muito do seu artigo. Mas acho que ele devia abordar mais amplamente sobre a verdadeira realiadade dos problemas nas nossas sociedades rurais. fico a espera da continuação deste artigo

Anselmo Loth disse...

É um artigo que aborda um tema muito importante que diz respeito ao desenvolvimento rural do nosso pais, com relação a este tema eu acho que tem de ser mas aprofundado,é um tema muito importante.