27/10/2009

CARTA ABERTA DA MARCHA MUNDIAL PELA PAZ E PELA NÃO-VIOLÊNCIA

*Carta aberta da Marcha Mundial pela Paz e pela Não-Violência*


Os acontecimentos de extrema violência dos últimos dias nos incitaram a escrever esta carta. Partimos de nossa própria experiência pessoal não como observadores, mas como vítimas de mais uma expressão da barbárie que é cotidiana para muitas pessoas em nossa cidade. É uma triste realidade que, assim como nós, tantos outros milhões de pessoas estejam, neste instante, sofrendo a violação de seus direitos mais elementares como seres humanos.

É comum que muitas pessoas, depois de episódios como este ocorrido em Vila Isabel e no Morro dos Macacos, busquem soluções imediatistas e os supostos culpados por esta *tragédia anunciada*. No entanto, uma simples constatação revela que não há soluções imediatas para esta e as várias outras formas de violência que testemunhamos no Rio de Janeiro. Ademais, não há nenhum cidadão ou cidadã que esteja isento de responsabilidade por estes episódios. Carece elucidar que falamos de responsáveis e não culpados. Nós estamos submersos, como sociedade, há séculos, nesta cultura de violência.

Estes casos de violência física extrema são a ponta do iceberg. Até chegarmos nestes casos que são “batalhas perdidas”, muitas outras violências são permitidas e mais, *naturalizadas*. Somos todos responsáveis quando permitimos que um número cada vez maior de nossas crianças fique nas ruas esmolando. Somos todos responsáveis quando ficamos indiferentes ao massacre dos moradores das comunidades carentes do Rio de Janeiro, pelos bandidos e pela própria polícia. Somos todos responsáveis quando achamos normal que as pessoas, empresas e Estados mendiguem recursos à grande banca internacional, que além de concentrar grande parte do capital mundial sem produzir por isso, mostrou sua irresponsabilidade recentemente, desdobrando no fechamento de milhões de postos de trabalhos. Somos todos responsáveis por permitirmos que nossos jovens (a grande maioria pobres e negros) sejam exterminados pelas armas de fogo.

Não podemos comparar, no entanto e neste momento, a influência do cidadão comum e do Estado, por exemplo, para iniciar uma mudança na direção destes acontecimentos. Este Estado que, através da farsa que é a Democracia Representativa, que não é mais que uma Plutocracia, roubou o poder de decisão das pessoas comuns, que se encontram tão impotentes e, por isso, tão sujeitas e suscetíveis à violência. Na realidade, esta desapropriação talvez seja a maior das violências ou pelos menos, uma gigantesca influência sobre as demais. Padecemos de uma grande violência moral em vermos tanta desgraça e ficarmos imóveis.

Como encontrar a alegria, os sonhos e a paz que nos trouxeram até aqui e que nos permitiram superar tantas outras desgraças? Não temos a menor dúvida que esta mudança deve se dá também no interior de cada um de nós. Também não temos nenhuma dúvida que o caminho da violência não nos levará à Paz. E esta, antes de uma aspiração ou utopia, é uma necessidade. Devemos nos rebelar com a força da não-violência contra a morte, contra as armas, contra a miséria, contra a fome, contra a indiferença, até onde chegar nossa influência: na nossa família, no nosso bairro, nas escolas, universidades, cidades etc. Ao chegarmos aos milhões diremos aos principais dirigentes do planeta que não queremos mais esse destino estúpido, violento e sem sentido que tais irresponsáveis nos impuseram e que também permitimos que o fizessem. Não queremos mais que seja gasto a quantia de U$ 1,4 trilhão em armas no mundo, por ano. Com uma pequena parte desse montante acabaremos com a fome no Planeta. Queremos o desarmamento nuclear imediato. Queremos o desarmamento progressivo e proporcional do armamento convencional mundial. Queremos a retirada imediata dos territórios invadidos. Queremos tratados de não agressão entre os países. Queremos o fim da resolução de conflitos através da guerra. Queremos escolas e saúde públicas e de qualidades, queremos postos de trabalho, cultura e não fuzis e HKs. Queremos nossos jovens com participação e poder de decisão sobre suas demandas e necessidades. Eles são o motor da história, eles produzem a tão importante “dialética geracional”, como diria Tomás Hirsch. A morte dos milhares de jovens, hoje, é muito mais que uma violência física, é uma violência com a nossa história e com o nosso futuro.

Mas algo diferente começa a aparecer em nosso interior quando começamos a nos identificar com a dor do outro. Não é um sentimento que pesa, mesmo que fique submerso em meio a tanta indignação e dor. O sentimento de união, de compartilhar com outros a mesma situação abre, justamente, a porta, a janela que permitirá a superação deste mesmo estado de opressão.

A violência, em todos os seus aspectos e em todos os lugares, não é somente uma questão pessoal ou regional. Estamos diante de um cenário planetário. Assim como também é planetário esse movimento, essa nova sensibilidade, esse sentimento que começamos a perceber emergir de séculos de opressão. São pessoas e organizações que sabem que a violência é uma mentalidade e um processo acumulativo e, que para sairmos deste primitivismo, precisamos percorrer outros caminhos que estão fora do universo da própria violência. A Marcha Mundial pela Paz e pela Não-Violência é o fruto desta sensibilidade e da ação de homens e mulheres valentes que estão construindo uma outra realidade. Somos precedidos por grandes ícones, suas condutas exemplares e grandes movimentos que já mostraram a eficácia da metodologia da não-violência. Este movimento não tem chefes, nem donos, nem amos. Tampouco queremos ser chefes, donos ou amos de ninguém. Milhões de homens e mulheres já levantaram suas vozes para que as mesmas sejam escutadas em todas as partes do mundo. A voz do fraco, a voz do débil se torna um coro poderoso quando ecoa por toda parte. Não é indiferente a sua participação, seja você uma pessoa ou uma organização. Não há posição neutra para estes assuntos, a omissão também é um posicionamento político. Seus sonhos, exigências e necessidades encontrarão convergência com esta que é a maior causa do momento em que vivemos: evitarmos uma catástrofe nuclear.


Rio de janeiro, outubro de 2009


Equipe Porta-voz/RJ

Mundo sem Guerras

portavoz.rj@marchamundial.org.br

OBS: Esta mensagem foi recebida de Nicolas Filipic Masso , através da Rede 3 Setor, a 24 de Outubro de 2009

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