25/09/2015

OMUNGA EXIGE LIBERTAÇÃO IMEDIATA DOS PRESOS POLÍTICOS FINDO O TEMPO DE PRISÃO PREVENTIVA



Ref.ª: OM/  087  /015
Lobito, 25 de Setembro de 2015.
C/c: Presidente da República - LUANDA
       Presidente da Assembleia Nacional - LUANDA
       Líderes das Bancadas Parlamentares - LUANDA
       Provedor de Justiça - LUANDA
       Comissária para os Defensores de Direitos Humanos da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos - BANJUL
        Embaixador da União Europeia - LUANDA


Ao

Procurador-geral da República
Att: João Maria de Sousa

L U A N D A


ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE PRISÃO DE ACTIVISTAS HÁ MAIS DE 90 DIAS


A OMUNGA, tem vindo a acompanhar com enorme preocupação o processo de detenção dos activistas em Luanda desde o dia 20 de Junho de 2015.

Gostaríamos de realçar que desde esse momento, a sociedade tem vindo a confrontar-se com inúmeras irregularidades e injustiças em torno do mesmo processo.

Conforme constatámos, as detenções efectuaram-se numa residência localizada na Vila Alice em Luanda, enquanto os activistas discutiam ideias sobre o "derrube de uma ditadura" por meios pacíficos. Segundo informações, não foi apresentado qualquer mandado de prisão, de busca ou de apreensão de bens.

A forma de detenção viola todos os princípios legais mas também, e especialmente, os princípios éticos do respeito da dignidade.

Passo seguinte, a 24 de Junho de 2015 o Procurador-geral da República confirma a detenção dos activistas que, segundo ele, a partir de uma denúncia apresentada junto da polícia nacional, "o Ministério Público deu luz verde para que fossem realizadas determinadas diligências e se assim se confirmou que os jovens reunidos estavam a praticar actos preparatórios que poderiam levar à destituição do Governo legitimamente constituído a partir das eleições de 2012"[1].

De acordo àquela fonte, o Procurador-geral terá na altura dito ainda que os jovens estavam a preparar-se para uma acção de insurreição e desobediência colectiva que visava a deposição do Governo e a destituição do Presidente da República. "Por isso esses actos constituem crimes contra a segurança do Estado, mais propriamente o crime de rebelião. Com efeito, os órgãos competentes do Estado têm que tomar as medidas necessárias para evitar o pior".

Ainda na entrevista feita à Rádio Nacional de Angola, a 24 de Junho, o Procurador-geral terá declarado: "Não posso dizer que actos são esses e eu próprio não tenho domínio dos factos, além de que o processo está em segredo de justiça."[2]

No entanto, a 25 de Junho, Assembleia Nacional teve encontro, as suas bancadas parlamentares, com o Procurador-geral da República, João Maria de Sousa, "para se inteirarem do processo, que originou a detenção de 15 jovens, em Luanda, no passado sábado."[3]

De acordo ao portal da Assembleia Nacional, "no encontro orientado pelo Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, estiveram igualmente presentes o Ministro do Interior, Ângelo Veiga Tavares e o Director do Serviços de Investigação Criminal (SIC), Comissário-chefe, Eugénio Pedro Alexandre, que na ocasião esclareceram que os 15 jovens foram detidos, sob acusação de tentativa de insurreição e de atentado contra a segurança de pública."

Conforme divulgou a Angop, foram prestadas informações e mostrado vídeos, embora considerado o processo em fase de "segredo de justiça".

Já a 29 de Junho, as autoridades angolanas, nomeadamente os ministros das Relações Exteriores, do Interior, da Justiça e Direitos Humanos, bem como o director dos Serviços de Investigação Criminal, mantiveram um encontro como corpo diplomático para esclarecimento do processo.[4]

A 2 de Julho de 2015, o presidente do MPLA (também presidente da República), no seu discurso de abertura  da III sessão extraordinária do comité central do MPLA, terá declarado:
"Não se deve permitir que o povo angolano seja submetido a mais uma situação dramática como a que viveu em 27 de Maio de 1977, por causa de um golpe de Estado.

Quem quer alcançar o cargo de Presidente da República e formar governo que crie, se não tiver, o seu Partido político nos termos da Constituição e da Lei, e se candidate às eleições.

Quem escolhe a via da força para tomar o poder ou usar para tal meios anticonstitucionais não é democrata. É tirano ou ditador. Foram acusar o MPLA e os seus militantes de intolerantes, mas a mentira tem pernas curtas.

Hoje sabe-se onde estão os intolerantes! Nem precisamos de dizer os seus nomes. Alguns escondem-se atrás dos outros!"[5]

Para além das condições desumanas de detenção dos referidos presos que passam pelo seu confinamento a "solitárias" sem qualquer contacto com os demais detidos, limitado tempo de acesso ao "sol", débil acompanhamento e assistência médica, dificuldades de contactos com familiares, amigos e defensores de direitos humanos, normalmente denunciadas em alguma mídia e nas redes sociais, deparamo-nos agora com o prolongamento da prisão preventiva para além dos 90 dias, sem qualquer argumentação e formalização prévia desta intenção.

A 7 de Agosto, o Vice-procurador-geral da República, general Hélder Pita Grós, terá declarado à imprensa: "Nós devemos ter o processo concluso dentro de poucos dias, isso sim posso garantir porque é o nosso trabalho. Agora a fase seguinte, só depois disso é que saberemos. Se o processo vai para o tribunal, se há matéria de acusação."[6]

Nesta altura, "nos dias 6 e 7 de Agosto, altos funcionários do SIC e da Procuradoria-geral, provenientes de Luanda, interrogam em Lisboa o político Alberto Neto, proprietário do espaço onde foram detidos os jovens."[7]

A 4 de Setembro, o cidadão Fernando Baptista, pai do activista e também um dos presos neste processo, Nito Alves, é interrogado pelos Serviços de Investigação Criminal.[8]

Apenas a 16 de Setembro, o Tribunal Supremo considera improcedente o pedido de habeas corpus, entregue pela defesa a 22 de Julho de 2015.

AS CONTRADIÇÕES

A primeira contradição encontramo-la nas próprias declarações do procurador-geral da República (24 de Junho) que, por um lado, garante ter a confirmação de que os detidos estariam a praticar actos preparatórios que poderiam levar à destituição do governo como logo a seguir afirma que não tem domínio dos factos e que o processo se encontra a segredo da justiça.

A segunda contradição tem a ver com facto de que logo no dia seguinte a estas declarações (25 de Junho), o próprio procurador-geral da república tenha ido à assembleia prestar informações e mostrado filmes como provas das suspeitas. Pior ainda é o facto de que diferentes ministros se tenham encontrado com o corpo diplomático (29 de Junho) para o mesmo efeito.

A outra enorme contradição tem a ver com o facto de que, havendo "aparentemente" tantas evidências, possa o vice-procurador-geral da República, Pita Grós, declarado (7 de Agosto) que ainda não haja a certeza de se ter matéria de acusação e de que o processo avance em tribunal.

A última contradição que aqui apresentamos, tem precisamente a ver com o facto do vice-procurador-geral da República informar que o processo estaria concluído em poucos dias (7 de Agosto) e passado mais de um mês, os jovens continuem presos, ultrapassando assim os 90 dias estabelecidos por lei[9].

AS IRREGULARIDADES

A primeira irregularidade que pretendemos apresentar tem a ver com a violação dos procedimentos das detenções e apreensão de bens que não foi acompanhado nem por mandado de prisão, de buscas ou de apreensões.

A outra enorme irregularidade tem a ver com o atropelo da Lei nº 18-A/92 no que se refere aos prazos de prisão preventiva.

De acordo ao advogado Walter Tondela, a primeira câmara criminal do Tribunal Supremo na notificação em que justifica não dar provimento à solicitação de habeas corpus, considerar a prisão dos activistas a partir de 23 de Junho quando é de conhecimento geral de que os mesmos foram detidos a 20 daquele mês.

Ainda de acordo ao mesmo advogado, a primeira câmara criminal do Tribunal Supremo terá de certa forma proferido antecipadamente a acusação e a condenação, antes mesmo do final do processo de investigação e do julgamento[10].

Por último, apontamos o facto de tanto os serviços de investigação como a procuradoria-geral da República terem, de forma ilegal, procedido a interrogatórios, fora do território nacional, sem a devido consentimento e acordo prévio, com as autoridades portuguesas.

Preferimos neste ponto, sobre as irregularidades, não abordar sequer as condições em que se encontram detidos os activistas.

SOLICITAÇÃO

Por tudo o exposto, a OMUNGA exige da Procuradoria-geral da República, a libertação imediata dos activistas detidos a 20 de Junho, em Luanda, sobre suspeita de desenvolverem actos preparatórios de rebelião.

A OMUNGA solicita ainda à Comissão Africana para que continue a acompanhar este processo e tome todas as medidas condenatórias em relação às irregularidades e ilegalidades que possam constar no mesmo.

Por último, a OMUNGA, aproveita para solicitar à União Europeia, através do seu embaixador em Angola e na sequência das suas responsabilidades assumidas na resolução do parlamento europeu 2015/2839 de 10 de Setembro de 2015, que faça o devido acompanhamento do referido processo.

Sem qualquer outro assunto de momento, queiram aceitar as nossas cordiais saudações.


José Patrocínio


Coordenador





[1] - ANGOP/Notícias/Política, 24 de Junho de 2015: ANGOLA: PGR confirma detenção de 15 cidadãos - http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2015/5/26/Angola-PGR-confirma-detencao-cidadaos,33515415-0f71-4b6c-b26b-7fde3a7ee3b7.html
[2] REDE ANGOLA/Política, 24 de junho de 2015: Procurador-geral da República fala crimes contra a Segurança de Estado - http://www.redeangola.info/presos-politicos-sem-previsao-de-liberdade/
[3] ASSEMBLEIA NACIONAL DE ANGOLA, 25 de Junho de 2015: Procurador-geral da República veio ao Parlamento esclarecer detenção de jovens activistas - http://www.parlamento.ao/noticias/iii-legislatura/-/blogs/procurador-geral-da-republica-veio-ao-parlamento-esclarecer-detencao-de-jovens-activistas?_33_redirect=http%3A%2F%2Fwww.parlamento.ao%2Fnoticias%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_Lpq0%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-3%26p_p_col_count%3D1#http://www.parlamento.ao/glue/AN_Navigation.jsp?
[4] - ANGOP, 29 de Junho de 2015: Autoridades angolanas encontram-se com corpo diplomático acreditado no país - http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2015/5/27/Autoridades-angolanas-reunem-com-corpo-diplomatico-acreditado-pais,385587d4-8cd3-4eb6-996f-6bd5007ff904.html
[5] - ANGOP, 2 de Julho de 2015: Angola: Discurso do Presidente José Eduardo no comité central do MPLA - http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2015/6/27/Angola-Discurso-Presidente-Jose-Eduardo-Comite-Central-MPLA,f84c86c9-d670-4adf-90e8-8ee6d69fcf98.html
[6] - SAPO (citando a LUSA), 7 de Agosto de 2015: Processo dos 15 detidos em Luanda concluído em "poucos dias" - vice-procurador - http://www.sapo.pt/noticias/processo-dos-15-detidos-em-luanda-concluido_55c4ef3ac714f7b8166c8e8a
[7] - MAKA ANGOLA, 3 de Setembro: Caça às bruxas: SIC notifica pai de Nito Alves e interroga em Portugal - http://www.makaangola.org/index.php?option=com_content&view=article&id=11617:caca-as-bruxas-sic-notifica-pai-de-nito-alves-e-interroga-em-portugal&catid=28,29:direitos-humanos&Itemid=231&lang=pt
[8] - SOL, 14 de Setembro de 2015: Pai de Nito Alves interrogado pelo SIC - http://sol.co.ao/noticia/411914
[9] - http://www.stj.pt/ficheiros/fpstjptlp/angola_leiprisaopreventiva.pdf
[10] - RFI, 18 de Setembro: Tribunal angolano recusa concessão de "habeas corpus" a 16 activistas detidos - http://www.portugues.rfi.fr/angola/20150918-tribunal-angolano-recusa-concessao-de-habeas-corpus-aos-16-activistas-detidos

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