24/09/2015

SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: DEBATE NA ZIMBO


SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: DEBATE NA ZIMBO

Ontem teve lugar mais um debate da Zimbo, onde o tema foi "a situação dos direitos humanos em Angola".

Desde já agradecer à Zimbo pelo convite e também à importante alavanca em que se constitui ao iniciar, de forma corajosa, este tipo de espaço de confrontação e construção colectiva de ideias.

Por outro lado, estender mais uma vez, os meus cumprimentos aos demais componentes da mesa (só tenho aqui o contacto do .......) e aos telespectadores que de alguma forma participaram, assim como àqueles que, durante e depois, foram partilhando ideias nas nossas famosas redes sociais, como o Celso pelo seu tão construtivo comentário na sua página.

Devo também reconhecer, que o representante do ministério da justiça e dos direitos humanos demonstrou uma enorme flexibilidade e compreensão sobre o actual quadro. Lembro aqui aspectos de que ele assumiu como aspectos importantes a resolverem-se com urgência, a melhoria da situação do respeito do direito à manifestação, da liberdade de imprensa e de expressão e dos processos de demolições, desalojamentos forçados e expropriações de terras.

No entanto, continua a ser visível que ainda não se digeriu a resolução do parlamento europeu e o relatório de Ana Gomes. Para mim, não merece, para já, mais adiantamentos.

Infelizmente não se teve tempo para abordar o caso do Sumi, que me parece ser de extrema importância.

O representante do ministério garante que medidas estão a ser tomadas no que toca ao branqueamento de capitais e à corrupção, que eu, pessoalmente, continuo a ter dúvidas em poder acreditar já que nada nos transpira nessa área.

Garantiu também que processos foram avançados (julgo que na ordem de muitas dezenas) para responsabilização de cidadãos envolvidos em crimes nas Lundas (famosas denúncias de Rafael Marques) e que muitos foram condenados. Garantiu mesmo que Rafael Marques por tal facto, tenha assumido a sua responsabilidade de "acusação difamatória" em tribunal. Também nesta matéria aguardo por confirmações.

Por outro lado, acha que muito está a ser feito, embora muito tenha que ainda melhorar. Aqui, pareceu-me que se mantem no velho discurso, que se esconde na argumentação do contextualismo histórico, da guerra recente e da actual situação de debilidade económica relacionada com a baixa do preço do petróleo. A minha pergunta é sempre a mesma. Será que qualquer um de nós cidadãos, quando perante o facto do cometimento de um crime, ou mesmo só de suspeita (caso dos activistas presos), poderemos evocar essa mesma lógica em tribunal em nossa defesa?

Continua-se a referir ao Estado como algo para o além, esquecendo-se que o Estado, precisamente, envolve expressamente e fundamentalmente os cidadãos, no território, relacionando-se com regras estabelecidas, escolhendo órgãos de soberania (gestores escolhidos pelos cidadãos) e identificando-se com símbolos. Penso que este demais comum esquecimento é que tem permitido aceitar o autoritarismo, o populismo e a continuação do status quo. Isto leva, também e de arrasto, a expressões, como as que ali pude ouvir, de que "o executivo tem feito um enorme esforço económico" para realizar determinadas acções, delinear certos programas e projectos.

Só como lembrete, o esforço (esse) é realmente desenvolvido, pelo elemento fundamental do Estado, os seus cidadãos.

Apenas me interessa, aqui e agora, concentrar-me num assunto que durante o debate foi levantado e parece-me, que merece de mim mais alguma atenção especial. Tem a ver com o que foi colocado sobre se existe ou não independência do judiciário e se podemos falar de julgamentos e condenações injustas.

Gostaria, neste caso, concentrar-me nos actualmente mais emblemáticos casos que possam relacionar-se com esta matéria. O caso da condenação de Marcos Mavungo a 6 anos de prisão, em Cabinda e a continuada detenção de activistas em Luanda (conhecido como caso dos 15 +1+1). Esqueço-me propositadamente e provocatoriamente, do caso do morro do Sumi, já que o mesmo não chegou a ser debatido ontem.

No debate, pude expressar o meu pensamento de considerar injusta a detenção de Marcos Mavungo, a sua prisão preventiva prolongada, as condições de detenção e a sua condenação. Embora tivessem, no debate, querido lembrar que esta é apenas uma fase do processo e que, caso o Tribunal Supremo venha a declarar inocência, conforme eu estou convencido, Marcos Mavungo poderá recorrer por processos indemnizatórios. Marcos Mavungo perdeu desde já a sua liberdade por longos meses e os seus filhos, o seu carinho e calor de pai.

Marcos Mavungo, conjuntamente com outros cidadãos de Cabinda, tinha preparado uma manifestação para expressar o seu descontentamento à forma como tem sido gerida Cabinda. O governo de Cabinda, emitiu a sua decisão de proibição. Aqui, penso, que foi unânime no debate, nenhum governo provincial tem poderes discricionários para proibir a realização de uma manifestação e portanto o exercício deste direito. O processo que leva à condenação de Marcos Mavungo, podemos ver que começa injustamente. Sei também que posteriormente à demonstração desta posição do governo de Cabinda, os organizadores ainda reuniram-se com representantes de instituições públicas locais onde demonstraram a sua insistência em realizar a referida manifestação. "Ameaçaram" exercer o seu "direito à desobediência civil" caso vissem-se impedidos realmente de exercer o seu direito à manifestação.

Precisamente na manhã do dia da manifestação, antes que a mesma realmente se concretizasse, Marcos Mavungo é detido quando se encontrava na sua igreja. Depois disso começaram a ouvir-se uma série de acusações. Tentou-se relacionar a Marcos Mavungo alguns engenhos explosivos que, pelo que sei não foram provados nem a sua autoria em relação a alguns folhetos que se diz terem sido encontrados abandonados por alguns cidadãos que se puseram em fuga e portanto nunca identificados.

Pelo que me expressei, fica claro que considero, desde logo, a detenção e a acusação feita contra Marcos Mavungo como injustas.

Marcos Mavungo vai a tribunal que conclui que não existem provas e, espantosamente, o mesmo é de novo conduzido à prisão onde permaneceu por 6 meses. Para além de considerar injusta a decisão de que o mesmo seja de novo conduzido à cadeia para continuação do processo de investigação, as suas condições de detenção são realmente desumanas e inaceitáveis. Marcos Mavungo é doente e não consegue ter nessas condições o devido tratamento médico.

De acordo às informações que recolhi, Marcos Mavungo volta a julgamento sem que tenham realmente alterado qualitativamente o conjunto de provas e assim, condenado a 6 anos de prisão. Mais uma vez fica-me claro que toda esta fase do processo iniciou, foi conduzida e culminou da forma mais injusta.

Para os legalistas presentes no debate, devemos nós cidadãos deixar que os tribunais façam o seu papel, sem qualquer intromissão, opinião ou condenação e deixar que se passe para a segunda fase do processo. O recurso junto do tribunal supremo.

Só para quem possa não conhecer o valor da liberdade, da dignidade e da justiça, pode, realmente, acomodadamente calar-se perante esta situação.

Este caso, no meu ver, é um dos flagrantes exemplos de julgamentos injustos.

O outro caso, no meu ver e entender, demonstra bem a falta de dependência do judiciário em relação à presidência da república.

Todos nós pudemos acompanhar a detenção dos 15 activistas em Luanda e a forma brutal como a mesma se efectuou. Sem mandato de prisão e nem de busca, os jovens foram detidos, quando se encontravam reunidos a discutir modalidades de se derrubar uma ditadura por métodos não violentos. Casas foram arrombadas, bens apreendidos, activistas e familiares brutalizados.

O acompanharmos estas informações, damos conta da injustiça e ilegalidade com que foi levado o processo da sua detenção.

Depois disso, a primeira declaração pública sobre esta matéria foi prestada pelo concidadão José Eduardo dos Santos, enquanto presidente do MPLA. É o primeiro a confirmar que as detenções se relacionavam com a tentativa de golpe de estado e vai mais longe, fazendo comparações com o trágico acontecimento que marca a nossa história relacionado com o 27 de Maio de 1977.

Sendo o mesmo concidadão, o presidente da república é obvio que esta sua posição pública relaciona com a posição da presidência da república. Assim, estava feita a condenação destes activistas.

Se puxarmos pela memória lembrar-nos-emos que em seguida, o procurador-geral da república vai encontrar-se com líderes das bancadas parlamentares para apresentar as "provas irrefutáveis" que ligavam os activistas à tentativa de golpe de estado. Como acto contínuo, tem encontro, com o corpo diplomático, com o mesmo propósito. Importante lembrar também que estas iniciativas do procurador foram a "mando" do presidente da república.

Também através dos órgãos de comunicação social, o procurador informa ter recebido a queixa que accionou a procuradoria a avançar o processo de investigação e posterior detenção.

Aqueles que defendem que em Angola existe separação de poderes, consideram, para além de que se deve deixar o judiciário trabalhar neste processo sem questionamentos, que se torna improcedente os diversos recursos à presidência da república para que intervenha na libertação imediata dos activistas ou "presos políticos".

Esta posição foi ouvida no debate de ontem, incluindo do representante do ministério da justiça. Gostei de vê-lo a exemplificar que o executivo não envia "bilhetes" para os juízes forjarem as decisões.

Feliz, ou infelizmente. não temos memória curta e por isso podemos ver que os factos desmentem o nosso amigo, já que:

1 - É o presidente da República quem publicamente formaliza a acusação (golpe de estado);
2 - É o presidente da República quem "mandata" o procurador-geral para violar o princípio do "segredo da justiça" e mostrar as "provas irrefutáveis" quer aos deputados como ao corpo diplomático (provas que os advogados de defesa não tiveram acesso);
3 - Se na altura da detenção e apreensão de bens, já existiam "provas irrefutáveis" que ligam os activistas a uma "flagrante tentativa de golpe de estado", como passados mais de 90 dias, ainda a procuradoria não concluiu o processo de investigação e não formalizou a acusação?
4 - Quem apresentou, neste caso, queixa à procuradoria para que esta tão de pronto avançasse o processo de investigação e de detenção dos activistas? Não poderemos concluir outra possibilidade que não seja a do presidente da república.
5 - Se assim for, e assim julgo que seja, quem mais que o presidente da república para retirar a queixa, fechar o processo e libertar os "presos políticos"?
6 - Havia ou não "provas irrefutáveis" de "tentativa flagrante de golpe de estado"? Se as provas afinal não são tão irrefutáveis porque se mantem os activistas presos enquanto continua o processo de investigação? Há eminente perigo de que os mesmos possam fugir do país, atrapalhar o processo se forem investigados em liberdade? Se sim, podem argumentar? Tal motivo justifica a sua detenção em "solitárias" com resumido tempo de acesso ao sol?
7 - Reconhecem os "legalistas", o nosso sistema de justiça e os comentadores, o "direito" ao exercício pleno do nosso "direito à desobediência civil"? É o exercício deste tão importante direito que se confunde com "arruaças", "provocação", "desordem pública" e "tentativa de golpe de estado"?


LIBERDADE PARA OS PRESOS POLÍTICOS JÁ!
23/09/015

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