17/11/2015

AS "ARGOLADAS" DO PRESIDENTE E AS ENCRUZILHADAS EM QUE NOS METEMOS - José Patrocínio (texto completo)


AS "ARGOLADAS" DO PRESIDENTE E AS ENCRUZILHADAS EM QUE NOS METEMOS (texto completo publicado nas edições do Correio do Sul)

Quero, para começar, dizer que concordo complectamente com dois pensamentos, distintos mas complementares, de dois dos nossos concidadãos.
Em primeiro lugar, concordo com Fernando Pacheco quando diz que o ideal seria termos um processo de transição com José Eduardo no poder e, em segundo lugar, mas com o mesmo nível de importância, com Rafael Marques quando apela para que os cidadãos devam começar a pensar e trabalhar no processo de transição.
No entanto, enquanto para a real efectivação do primeiro pensamento, pressupõe obviamente uma vontade política de José Eduardo dos Santos e um envolvimento e empenho nesse processo, já, para o segundo, a necessidade de estarmos envolvidos, de impulsionarmos ou provocarmos a transição, não necessita a obrigatoriedade da vontade de José Eduardo dos Santos. Obviamente, sendo eles aparentemente (e realmente) complementares, a necessidade de existir um processo de transição é evidente e, por isso, exige de todos os cidadãos uma acção cidadã, de impulsionar e de delinear o melhor caminho, onde, obviamente, a vontade política e o empenho do actual presidente facilitaria e muito tal processo e, mesmo, predispunha à existência de maiores probabilidades de sucesso de um processo que, aparentemente poderia ser mais pacífico e aglutinador.
Infelizmente, o que vamos assistindo é que realmente José Eduardo dos Santos não pretende um processo de transição onde, nós, cidadãos, sejamos e possamos ser realmente cidadãos. Tal evidência, começa, com o facto de que ele próprio assume que esta matéria é de exclusividade (aparentemente) do MPLA (que pode ser confundida com a exclusividade pessoal, dele), ou ainda, do grupo mais restrito do comité central do seu partido (podendo até servir tal acto, como legitimar uma decisão pessoal com uma decisão colectiva, mesmo que minúscula). Infelizmente, já nos habituou a tal tipo de procedimentos quando os assuntos a resolver sejam de interesse de todos. Exemplo recente teve a ver com a revisão da Constituição.
Onde quero chegar: Que é obrigatório pensarmos, programarmos, estimularmos, construirmos a transição (com ou sem a vontade, o envolvimento e o empenho de José Eduardo dos Santos) que, obviamente, seria de todo indicado que pudesse ter a participação de José Eduardo dos Santos ainda no cargo.
Esta possibilidade, não só, seria de todo o ideal para a construção de paz, de angolanidade e de Nação, sustentável, como, sem cinismos, seria de todo o ideal para o desfecho do seu percurso, de José Eduardo dos Santos, da sua imagem, da sua consciência, da sua segurança e de quem o rodeia.
DOS SANTOS E AS POSSIBILIDADES
Depois de todo o tempo que usámos, da forma como usámos, em todo o nosso percurso, desde mesmo o antes de o ser nosso (como o foi no tempo dos reinos), enquanto hoje produto de fronteiras coloniais e de designação colonial (o nosso nome de Angola, por exemplo), chegando ao agora do nosso presente, fica-me perspicaz a pergunta: Que possibilidades tem José Eduardo dos Santos? Deixemo-nos de cinismo porque, a sequência processual da transição, depende imediatamente e complectamente, da resposta real a esta questão.
Colocando-me na pele de José Eduardo dos Santos, temeria o futuro, logicamente, não me sentiria seguro. Por isso, sem contar com a morte, que de tão natural, naturalmente possa ocorrer, haverá duas possíveis saídas.
1 - Iniciar um processo realmente participativo para a construção de consensos para o que nos aflige, que nos afecta, que nos toca, que nos é de todos (obviamente o melhor, o ideal mas que não antevejo nem coragem, nem capacidades, nem valores e ética, infelizmente, em José Eduardo dos Santos para esta aposta)
2 - A tentativa de ter sempre o poder sobre o poder (mantendo o mesmo, mas pior)
Obviamente que, quem como José Eduardo dos Santos, chegou ao ponto a que chegou, um aparente voltar a trás, exige imensa coragem. Por isso, um voltar a trás teria que ser traduzido, não num voltar a trás de dar o braço a torcer, mas num epopeico heroísmo de realmente marcar a história (que aliás é o que sempre parece que pretende com as suas manipulações do poder e da "história"). Nestes momentos lembro-me da sua resposta ao jornalista da SIC  a 6 de Junho de 2013, que transcrevo parte, não deixando de parte nada, nem os risinhos, aqui descritos como kkkkkkkkk:
"É evidente que a reconciliação nacional pressupõe em primeiro lugar a percepção de que é preciso colocar os interesses gerais, os interesses da Nação, acima de qualquer interesse particular e assim guiar(-nos) os valores essenciais. Como os valores da Pátria, do Perdão, da Reconciliação (kkkkkkk), da Paz (não é?) e da procura da defesa da Vida como um bem supremo. Por outro lado, foi necessário igualmente recorrer ao princípio duma aplicação equilibrada do esforço de guerra com a negociação, a negociação política. Mas uma negociação que tivesse em conta os interesses de todas as partes e se procurasse uma solução de equilíbrio e nalguns casos consensual para os problemas nacionais.
E como se faz isso na prática (kkkkkkkkk)?
(kkkkkkkk) na prática é dialogando, é compreendendo a vontade dos outros e procurando levá-los prá razão (kkkkk), para soluções racionais (não é assim?) (kkkkkkkk) que acabem por trazer conforto a todos e que acabem também por criar um quadro em que todos possam encontrar uma realização pessoal (kkkkkkk), a realização dos seus sonhos individuais mas também, dentro de um contexto mais geral do sonho do todo o povo angolano."
DOS SANTOS E AS APOSTAS
Ao contrário do que propomos ser o ideal, que seria o envolvimento sincero de José Eduardo dos Santos no processo de transição de Angola, ele tem vindo a apostar de forma descarada, numa posição de força. Ou seja, em vez de conduzir um processo de transição que seja o de pacificação, tem agravado os seus litígios com os descontentes, os que pensam diferente, os que aspiram outra Angola.
Assim decidiu investir na força em Cabinda. Reprimindo as manifestações e os defensores de direitos humanos. A condenação de Marcos Mavungo a seis anos de prisão é exemplo flagrante disso. Outro exemplo é a actual situação do advogado Arão Tempo também em Cabinda em que está inclusivamente impedido de viajar para Angola. Na realidade, deveria ele mostrar indícios de boa vontade, como por exemplo revogar a decisão de proibição das actividades de Mpalabanda e, promover um processo de discussão sobre Cabinda, envolvendo todas as partes, especialmente a sociedade civil sem envolvimento no conflito militar, seja de Cabinda, como de Angola.
Outro flagrante deslise negativo do presidente da república, liga-se com o caso do morro do Sumi. Em vez de humildemente e justamente ter realmente aberto as portas a todos para que de uma forma transparente se investigasse o ocorrido, camuflou-se em inflamados discursos querendo mostrar que o leão ainda ruge.
Apenas pretendo apontar aqueles casos que realmente mais gastaram tinta nestes últimos meses e por isso, sem dúvidas, aponto aqui o trambolhão do presidente com o caso da detenção dos activistas em Luanda. Foi tal o trambolhão que se escangalhou todo por inteiro. Precisamente, contráriamente ao que deveria ser, desmascarou a submissão do judiciário aos seus apetites. Deixou ficar mal na fotografia, a procuradoria e agora vai borrar os juizes na pintura. Fechou ele próprios as portas, trancou-as à chave e deitou-as fora. Não deixou qualquer espaço de manobra para negociação e revisão de posicionamentos. Claro que este caso vai ainda trazer muitas “indisposições temporárias” ao camarada arquitecto.
Outro descuido, mas aparentemente propositado, foi em abrir o jogo no seu combate às organizações da sociedade civil, principalmente àquelas que abordam os direitos humanos. Fê-lo e sem vergonha, através do seu decreto que regulamenta as ONGs. Em vez de respeitar realmente a sociedade civil e de a proteger, ele demonstra o seu mal estar em relação a este tão importante sector da promoção da mudança, querendo quase que considerar que este sector pode ser potencialmente promotor de terrorismo e de lavagem de dinheiro. É este o espírito do dito regulamento e da lei que em vez de proteger tão importante direito consagrado na constituição, o da participação e o da associação, prefere apontar, o exercício de tal direito, como a clara evidência de ameaça terrorista. Não podiamos esperar outra coisa de quem possa ter declarado que a democracia nos foi imposta ou, não menos estravagante, que os direitos humanos não enchem a barriga.
Ainda me parece importante realçar neste espaço, o processo autárquico. Durante a “indisposição temporária” do arquitecto da paz, podémos saber que esta história do processo autárquico, para aqueles que ainda estavam esperançosos, mesmo com todas as tendências apresentadas pelo presidente, mesmo no seu anterior pronunciamento sobre “o estado da nação”, ficou agora atirado definitivamente para o esquecimento. Claro, se esperarmos pela acção do presidente da república. Mas obviamente que este adiamento premeditado das eleições autárquicas são real sintoma de que José Eduardo dos Santos não quer perder o controlo do país no seu tudo e no seu todo.
É assim visível que, a nível político, os disparos do presidente, ao encerrar as portas para um processo participativo e consensual, remete-nos para um caminho de maior confrontosidade.
Não vou sequer, neste espaço, abordar as cabeçadas na parede que o presidente tem dado no que se refere às questões económicas, financeiras e sociais.
AS HIPÓTESES
Como está visto que a ideia de Fernando Pacheco não tem lugar com o presidente que temos, antes pelo contrário, e como o mesmo não é imorrível, é lógico que o fim chegará ao seu fim. Só precisamos levantar as hipóteses do como e do quando.
1 – José Eduardo dos Santos decidirá, ele próprio, a sua sucessão usando o silêncio cínico do bureau político do seu partido.
Nesta situação, acredito, que pela experiência que tivemos com a própria sucessão do Agostinho Neto, os descontentamentos na elite do partido, militar e conómica, farão o gosto ao dedo e provocarão o golpe final.
Não acredito que, por exemplo, o filho de José Eduardo dos Santos venha a ter a mesma sorte que o pai. Se nos lembramos, a nomeação de José Eduardo dos Santos enquanto presidente do país na altura do vasio deixado pelo Agostinho Neto, se encaixava numa estratégia de que tendo-se no poder um jovem como ele, poderia vir a ser facilmente controlado pela velharia do MPLA (o partido). Evitava-se assim a luta entre os velhotes pelo poder (decidir sobre quem teria que ser escolhido) e ao mesmo tempo o poder não fugia-lhes das mãos. Mas vimos que José Eduardo foi astudo e estratega suficiente para desmoronar essa hipotese e assumiu, ano após ano, ser o senhor poderoso do “partido” e do “país”. Os velhotes de então foram inteligentemente devorados. 
Se eu me lembro desta experiência, não acredito que os actuais e novos velhotes, não se previnam em relação a esse assombrado futuro e que por isso não cortem os pescoços dos sucessores (não entendam isto literalmente!)
2 – Outra possibilidade, é que os urubus no poder, os generais e toda a equipe, começem a provocar o afundamento do presidente, provocando processos de descarrilamento da situação económica e outros que venham a deteriorar ainda mais a imagem do presidente, podendo chegar ao ponto de o obrigar a ter que abandonar o cargo, por falta de bases de apoio.
Neste aspecto, quero reflectir sobre dois casos muito recentes. Um que tem a ver com a recente greve dos taxistas (motoristas) e a outra com as enormes oscilações no mercado informal de câmbio de moeda.
Em relação ao primeiro, começo por querer reflectir sobre os porquês e os comos. Pelo que consta, e acompanhei na média, a greve deveu-se a uma tentativa de protestar contra a corrupção que existe por parte dos agentes da polícia de trânsito e que se tem ligado muito com a falta de parágens para os taxis.
Outra coisa que ainda me apercebi, aparentemente não houve uma preparação prévia quer da apresentação da reinvindicação nem tão pouco definição da paralisação. Então como é que num mesmo dia e numa mesma hora, centenas de taxistas (condutores) paralizaram a cidade em torno duma mesma reinvindicação? Que mecanismos utilizaram de mobilização e comunicação entre si para que quase por empatia tomassem tal decisão?
Se a grande maioria dos taxistas que paralizou Luanda, eram apenas os motoristas das viaturas, não os seus proprietários, porque decidiram reclamar por prejuizos que são causados aos seus patrões?
Para mim, existe uma mafia por trás que demonstrou ao presidente que afinal o camarada não tem poder real sobre o dia-a-dia do cidadão. Ele controla o macro, mas não domina a vida real. Controla (aparentemente) o petróleo, os diamantes, a banca, etc, mas afinal o país pode parar num único dia paranto os azulinhos.
Com o mesmo propósito, me parece, que se analisa o caso do mercado informal da moeda, ou dos kinguilas. Muitas vezes me pergunto, sendo este um mercado tão informal, como tão coincidentemente e tão imediatamente, a taxa do câmbio nesse mercado se torna tão homogénea. Se de manhã cedo num determinado ponto da cidade o kinguila estabelece um determinado preço, à mesma hora e noutro ponto distante da cidade o kinguila, um outro, estabelece precisamente o mesmo preço? E quando o dólar subiu até 30 mil kwanzas e desceu despois a 20 mil? Quem define nesse mercado e que mecanismos exerce? Se sabemos que na realidade o abastecimento deste mercado não é feito pelos humildes cidadãos, quem é afinal a sua fonte? O que me pareceu foi que, também, tal como com os taxistas (motoristas) alguma mafia quiz mostrar que esse espaço real da vida real não tem controlo do presidente e que em apenas umas horas toda a ecónomia pode ser desestabilizada, tão somente isso.
Alguém se lembra da greve dos camionistas no Chile que ajudou o golpe de estado contra Allende? (a diferença é que lá ele era um democrata e realmente escolhido pelo povo, enquanto cá, é o tão somente cá!!!)
Portanto parece-me que os golpes de estado no nosso país poderão ser na realidade económicos, os antecipados, ou realmente militares, caso José Eduardo não consiga definir bem a sua sucessão.
CAMINHOS E SAÍDAS
Perante estes cenários e porque todos eles não são nada animadores só temos, enquanto cidadãos e sonhadores, ser ainda promotores de mudanças mas estarmos prontos para que estejamos seguros e protegidos em qualquer umas dessas mudanças causadas por quem domina o poder.
Outra solução ou caminho, pelo menos teórico, seria através das eleições. Os partidos da oposição ganharem as eleições. Infelizmente eu não confio que isso seja possível.
Se conhecemos como conhecemos, o nosso presidente, que se tem agarrado ao poder por décadas, será que ele se vai deixar ganhar por eleições? Claro que não. Ele pode manipular os resultados para que haja algum aumento de deputados da oposição mas o seu partido manterá a maioria absoluta, ou então tinha andado a perder tempo todas estas décadas.
Mas realmente nesta via há uma possibilidade. É contra a candidatura de José Eduardo dos Santos haver uma candidatura pela cidadania. Se fosse possível a aliança de todos os partidos da oposição, com as forças realmente democráticas da sociedade civil, dos movimentos sociais, das igrejas, dos cidadãos da cultura, numa única frente, não deixaria hipóteses a José Eduardo dos Santos. Ou assumiria a fraude, assumindo à força o poder ou sentir-se-ia obrigado a abandonar o poder. Só aí!
Se calhar o mano Luaty está a aglotinar a força nacional nessa direcção. Por isso, o melhor para o Zédú é não deixar o nosso mano morrer!
LIBERDADE PARA OS PRESOS POLÍTICOS JÁ!



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