10/02/2016

O PROCESSO DOS "15+2" E OS NOVOS CONTORNOS




O ano em Angola realmente arrancou com muitas e más novidades. Começando pela subida dos combustíveis, as suspeitas de ameaças terroristas em Luanda,  minimizadas pelo poder angolano, o arranque do julgamento de Kalupeteka no Huambo que foi antecedido pela condenação, pelo tribunal provincial do Bié, de um cidadão pertencente à igreja "a luz do mundo", a 20 anos de xelindró, sem mais nem menos.

Mas como se isto não bastasse, continuaram as proibições das manifestações, detenções e perseguições a activistas, como aconteceu em Malanje, Ndalatando, Lobito e ultimamente em Luanda contra os estudantes universitários.

No entanto, prefiro-me apenas prender ao famoso processo dos "15+2" e os seus novos contornos. Depois dos réus que se encontravam detidos em diversas unidades prisionais, por decisão do tribunal terem passado à condição de prisão domiciliar, as sessões de julgamento deveriam ter reiniciado em Janeiro. Sem sucesso, o tribunal adia por várias vezes sob o argumento de ausência dos declarantes (fala-se em cerca de 50) que teriam sido notificados. Grande parte destes declarantes, segundo consta, fazem parte de um famoso "governo de salvação nacional" que aquele tribunal tem tido como sendo uma das principais provas que ligam os acusados (os réus) à preparação de uma tentativa de golpe de estado.

Segundo o tribunal e a procuradoria-geral da república, tal atitude por parte dos declarantes representa um acto de desobediência e por isso, decidiram fazer uma notificação em edital público no nosso único diário, o jornal de angola. Argumentaram ainda que em caso de novas desobediências, o tribunal tomará todas as medidas de coação para obrigar os ditos declarantes a comparecer.

Durante este processo, os representantes do tribunal e da procuradoria-geral da república, fizeram uma digressão pelos diferentes meios de comunicação social, públicos e privados, cheios de pompa e circunstância, a justificar tais argumentos, passearam-se com volumes de papeis que afirmavam ser as ditas notificações. Foram apresentados nomes como exemplos, e como exemplo o meu nome veio à baila. A este tipo de atitude seguiu-se a exibição pública dos nomes dos ditos declarantes. Assim começam a passar os nomes no rodapé das emissões da TPA1, pelo menos na sexta-feira (05.02.2016) e finalmente o jornal de Angola publica os mesmos em edital nos dias 6, 7 e 8 de Janeiro.

De acordo ao meu caso, realmente nunca recebi qualquer notificação pessoal, nem a associação à qual pertenço. Conforme muitos dos meus amigos que, coincidentemente também fazem parte desta lista, garantem também nunca terem recebido. É exemplo de Makuta Nkondo, Marcolino Moco, Katila Pinto de Andrade, Justino Pinto de Andrade, Ermelinda Freitas e muitos outros.

Pelo menos no caso de Filomento Vieira Lopes, este foi contacto telefonicamente na sexta-feira, por alguém que seria do tribunal para confirmar o endereço e foi-lhe entregue a notificação na tarde de sábado (06.02.2016).

Então, afinal, o que poderá estar por trás de toda esta (e mais uma) encenação?

Alguns dos meus amigos acreditam que tudo isto tem como propósito prolongar o tempo do julgamento, possivelmente com o propósito de provocar desgaste e desatenção.

Eu, realmente, não penso bem assim. É verdade que assistimos a muitas peripécias com esse mesmo propósito como foi no caso da leitura do livro por Domingos da Cruz. No entanto, eu não acredito inocentemente apenas nesse objectivo. Isto porque me coloco a pergunta: porque se arriscaria o tribunal e a procuradoria-geral da república provocar esta situação baseando-se em acusação de desobediência forjada em inverdades? Quem são fundamentalmente os nomes que ressoam nesta dita lista de declarantes?

Não tirando valor à justificação anterior, eu focalizo-me mais na intenção do tribunal e da procuradoria-geral de atacarem precisamente estes cidadãos, esparramando-os em praça pública. E pior, colocando-lhes um rótulo de desobedientes ligando-os a um processo de preparação de tentativa de golpe de estado.

Abrem assim a possibilidade de utilizarem a força e de inclusivamente fazerem recurso a processos judiciários e a prisões em nome da dita desobediência.

Fica para mim visível que, através dos "15+2" as intensões são de atingir muitos dos nomes constantes como declarantes.


E o processo?

Alguns aspectos, mas grandes detalhes, sobressaem-me também neste processo que agora designo por dos "declarantes".

Em primeiro lugar, não aparecem nomes que afinal constam do tal facebookano governo de salvação nacional. como o mais saliente é o do Aníbal Rocha. Porque será?

Outro aspecto é que embora os ditos editais apenas tenham começado a ser publicados a 6 de Fevereiro, aparecem com a data de 27 de Janeiro, precisamente a data em que os representantes do tribunal e da procuradoria começaram com as suas intervenções públicas nos órgãos de comunicação social. Porque será?
Também me realça o facto do tribunal notificar nomes como MCK, que não são nomes próprios. Para já este é um nome artístico. Porque será?

Ainda o mais interessante é que, através destes editais, o meu grande amigo José Marcos Mavungo, poderá finalmente fazer um passeio a Luanda e sair da cadeia que está a cumprir em Cabinda. Como todos sabemos, Marcos Mavungo está preso em Cabinda e condenado a seis anos de prisão. Porque será?

Mas ainda antes, a notificação dirigida ao Pe Jacinto Wacussanga (Pio Wacussanga) e ao Pe Congo, foi conjunta e dirigida à CEAST, quando se viu bem que o tribunal tinha conhecimento dos seus endereços pessoais. Porque será?


Não vou estar na sessão de hoje, 10 de Fevereiro de 2016, pelas 9 horas, conforme expresso no dito edital do jornal de Angola. E porquê?

1 - Realmente, como já várias vezes me referi, sou apologista do direito à desobediência perante acções incongruentes, ilegais ou desumanas, perpetradas por instituições públicas e órgãos do estado.

Neste caso, o uso do dito "facebookano governo de salvação nacional" como prova de suporte do processo dos "15+2" só pode representar duas possibilidades, quanto ao meu ver:

a) uma manipulação forçada do próprio processo, ou
b) incompetência complecta quer do procurador-geral da república, quer do juiz do processo.

Junto ainda a estes factos o seguinte. Todos nos lembramos que, nas primeiras aparições do procurador-geral da república para falar do caso, teria dito que "alguém" apresentou a queixa para a abertura do processo. Por isso, não me estranho quando questiono. sobre o quem é esse "alguém"? Porque é que esse "alguém", o queixoso, afinal o mais interessado, não aparece em tribunal a sustentar a sua queixa? Não é assim que sempre acontece?

E mais, segundo várias vezes nós acompanhámos que, o dito vídeo sobre uma reunião onde se encontravam os réus, serviu de base para a intervenção dos órgãos judiciários e policiais e, segundo afirmam, detiveram os réus em flagrante delito. Mas, para nosso espanto (que já nada aqui me espanta), a técnica de investigação não conhece o autor do dito vídeo. Resumindo, alguém, um anónimo, terá ido à técnica de investigação, deixou o vídeo e foi-se embora. A técnica de investigação na base disso acciona os cordelinhos e detém os réus. Afinal que relação existe entre o anónimo do vídeo e o queixoso? Não pode ser o autor do vídeo o queixoso, porque este é anónimo e desconhecido. Afinal estas são as tão badaladas provas do processo.

Por uma ou outra razão, teria razões de sobra para desobedecer. Não obedeço a manipulações nem a incompetências.

No entanto, não foi este, por acaso, o meu caso. Para que eu possa obedecer a uma decisão de uma instituição, tem esta, em primeiro lugar, que merecer o meu respeito, respeitando-me. No meu caso, quer o tribunal, como a procuradoria-geral da república desrespeitaram-me ao me fazerem publicamente uma acusação baseada em inverdades.

Fica assim claro, que apenas deverei respeitar as suas decisões se, atempadamente esclarecerem a minha solicitação e peçam-me publicamente as devidas desculpas por todos os danos que causaram ao meu bom nome, minha dignidades e minha segurança. Simplifico, não posso obedecer a uma instituição que me falte ao respeito.

2 - Por outro lado, como esclareci em carta enviada ao juiz-presidente do tribunal provincial de Luanda, com conhecimento do procurador-geral da república, apenas aceito, depois de cumprida a minha exigência anterior, uma notificação pessoal.

3 - Por último, eu resido no Lobito, a 500 km da cidade onde está localizado o referido tribunal. Luanda. Para que eu possa comparecer de acordo ao dito edital, necessito de recursos financeiros para suporte de tal deslocação. Bilhetes de passagem, alojamento em hotel, alimentação, transporte em Luanda, comunicação com família e amigos e por último, segurança. Se em qualquer situação, estas condições deveriam desde logo ser suportadas pelo tribunal, na minha situação ainda pior.

Realmente estou sem subsídios, como todos os meus colegas da OMUNGA, desde há vários meses. Isto deve-se ao facto das contas bancárias da OMUNGA estarem bloqueadas no BFA. A procuradoria-geral da república, a nível do Lobito está a acompanhar o caso e até ao momento não mostrou nenhuma solução. Por essa razão, mesmo que tivesse muita vontade em comparecer e suportar a dita viagem, que realmente não tenho nenhuma, não me encontro em condições de o fazer.

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